quinta-feira, 13 de março de 2008

Cientistas identificam gene "mafioso" que controla o câncer de mama


Não é sempre que um chefão da máfia ou do narcotráfico é preso ou leva uma bomba na cabeça. O mesmo acontece com genes ligados a doenças: nem sempre se consegue provar a sua culpa. Uma equipe de pesquisadores nos EUA identificou agora um gene capaz de controlar outros mil genes como se fosse um líder de gangue, e com isso promover o crescimento dos tumores de mama.
Mais grave ainda, o gene "mafioso", o SATB1, tem papel ativo na formação de outros focos de câncer no organismo – o processo chamado metástase, que é a causa de morte mais comum em pacientes da doença.
O estudo foi liderado pelos casal de pesquisadores Terumi Kohwi-Shigematsu e Yoshinori Kohwi, do Laboratório Lawrence Berkeley, da Universidade da Califórnia em Berkeley.
A descoberta pode servir tanto para criar diagnósticos mais precoces e precisos quanto para uma eventual terapia. "O SATB1 pode ser útil como alvo terapêutico na doença de mama com metástase", escrevem os autores em artigo na edição de hoje da revista "Nature".
Os cientistas também demonstraram em experimentos com camundongos que, depois de inativado o gene, também termina a proliferação alucinada das células tumorais.
O SATB1 e a proteína que ele codifica têm um papel normal num organismo sadio. Ele é uma espécie de "organizador" de outros genes, mas pode voltar esse talento para o "crime" e causar tumores agressivos que crescem e se espalham.
"Depois que o chefe do crime é retirado do contato com sua gangue – as células de mama tumorais –, essa comunidade retorna a ser uma comunidade sadia, não tendo mais a habilidade de se engajar em crime. Por isso é extremamente importante alvejar o SATB1", disse Kohwi-Shigematsu à Folha.
Segundo a pesquisadora, uma vez reprimido o gene, o câncer perde seu potencial de agressividade. "Mas é importante que o SATB1 seja mantido assim a longo prazo, para evitar que as células cancerosas voltem a se espalhar", afirmou.
O SATB1 é necessário quando células T do sistema imunológico (de defesa do organismo) são ativadas para produzir citocinas, substâncias que promovem a produção de anticorpos por outras células de defesa, as células B. Se o SATB1 for retirado de células T sadias, os pacientes sofrem problemas na sua reação imunológica.
"Só que nós descobrimos, inesperadamente, que ele se expressa em um subconjunto de células cancerosas e essas células ganham atividade de metástase. O SATB1 é, de fato, determinante para a metástase do câncer de mama", diz a cientista nascida no Japão.
Essa descoberta também modifica a maneira pela qual os cientistas compreendem a metástase, um processo de várias fases, desde a invasão das células tumorais em tecidos adjacentes até sua ida para a circulação e criação de um novo foco em outra parte do corpo.
Em geral, acreditava-se que as células metastáticas seriam raras e surgiriam em estágios finais da progressão do tumor a partir de mudanças genéticas. A novidade agora foi mostrar que há células em alguns tumores primários que já são predispostas à metástase e que a proteína SATB1 tem papel nisso.

RICARDO BONALUME NETO, da Folha de S.Paulo [13/03/2008, 08h35min]

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